ACAMPAMENTO ANITA GARIBALDI


No dia 19 de maio cerca de 300 famílias, junto ao Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), ocuparam um terreno no bairro de Bonsucesso no extremo da periferia de Guarulhos.

O MTST é um movimento de caráter social, político e sindical e que não é uma extensão do MST, embora sejam parceiros, pois a luta do campo depende da luta da cidade. A Reforma Agrária precisa da Reforma Urbana.

Há 50 anos, neste terreno que tem a extensão de 1.139.000 m², existia um canavial até ser comprado pelo atual proprietário, o Sr. Cláudio Malva Valente, dono do 1º Cartório de Registro de Imóveis de Guarulhos. Desde então, o local servia apenas para especulação imobiliária, além de desmanche de carros, desova de cadáveres e ponto de estupro.

O militante do MTST, João Santana, em entrevista ao Centro de Mídia Independente, deu informações sobre a ocupação, a forma de organização da mesma e o processo judicial.

A ocupação foi feita de forma organizada, planejada 4 meses antes. No quarto dia o proprietário entrou com uma ação de reintegração de posse. Assim, no dia 28 de maio, os sem-teto protestaram numa caminhada de 25 km, do acampamento ao centro de Guarulhos, mobilizando-se em frente de um local onde está sendo construído um Centro de Detenção Provisório (dinheiro e área que poderiam ser destinados à habitação) e realizando um ato ecumênico no centro. Os resultados desta mobilização foram o adiamento da ação de reintegração e uma conversa solicitada pelo prefeito da cidade, onde foram propostas soluções por parte do mesmo, inclusive a tentativa de checar com o governo do Estado a possibilidade de desapropriação da área que está sendo utilizada para a construção dos CDPs. Os sem-teto, então, conseguiram entrar com recurso, assessorados por advogados voluntários e quebrar esta primeira liminar. Este recurso irá para julgamento e o setor de Direitos Humanos da OAB está acompanhando o caso.

Com vinte dias o acampamento Anita Garibaldi é considerado a maior ocupação de Guarulhos e uma das maiores que se tem notícia. Já são 9 mil famílias cadastradas acampadas e 1500 na fila de espera. O critério de adesão passa por três etapas monitoradas por coordenadores, sendo rígido em função dos casos de pessoas que chegaram no local, colocaram suas barracas e voltaram para casa para esperar; gente que tem moradia própria e quer se beneficiar das ocupações. Todos os dias chegam famílias para acampar, mas a prioridade é para as pessoas que foram despejadas (as quais inclusive chegam com mobília) ou outros casos de pessoas sem condição nenhuma de moradia.

Para a organização do acampamento, foram divididos 300 grupos de 30 famílias cada. As barracas são construídas com lona preta e têm nelas pintados os números do grupo e individual. Cada grupo tem um coordenador geral e mais responsáveis por quatro setores diferentes. Um dos objetivos, segundo João Santana, é manter as pessoas ativas e faze-las assimilar a luta.

Cada grupo ainda tem uma cozinha coletiva e um banheiro, mas existem também a farmácia comunitária e uma cozinha geral, para onde vão as doações que depois são repassadas, priorizando os mais necessitados.

As funções básicas do coordenador são participar das reuniões, fazer a ligação entre o grupo e os setores gerais e, ainda, cuidar da organização do mesmo.

O responsável pelo setor de saúde requisita as necessidades do grupo à farmácia comunitária e à cozinha geral, a qual socializa os mantimentos. O encarregado do setor de infra-estrutura é responsável pela estrutura do grupo, construção das barracas, banheiro e cozinha e, também, participa dos serviços coletivos quando necessário. Já o setor de segurança é representado por uma pessoa com referência, que cuida da segurança do grupo – e coletiva - e participa do revezamento na portaria (há uma portaria na entrada do acampamento). Por último, o responsável pelo setor da secretaria faz as anotações das reuniões e compartilha informações com o restante do grupo.

Existe também um sistema de coleta de lixo organizado onde o encarregado do grupo leva os sacos ao local destinado para este fim.

Periodicamente acontece uma assembléia para todos, onde são discutidas decisões e comunicados fatos importantes. Estas assembléias são realizadas em frente à barraca do som que, munida de alto-falante e microfone, também é utilizada para chamar pessoas, dar avisos, entre outros.

A maioria das crianças – são muitas - do acampamento freqüenta as escolas públicas do bairro. Dias atrás 1.300 crianças de 0 a 5 anos foram vacinadas pela Secretária de Saúde que compareceu no local após a solicitação dos militantes.

No centro do acampamento foram construídos galpões-escola destinados à reuniões e trocas de informações e onde são discutidos os projetos futuros. Um deles, e talvez o mais importante, é o Projeto de Hidroponia, um tipo de agricultura urbana. A intenção é construir no local uma comunidade diferente onde as necessidades básicas do trabalhador sejam supridas; moradia, trabalho e alimentação.

O pessoal da Resistência Popular tem prestado uma grande ajuda; estão acampados com as famílias sem-teto e se revezando no trabalho da construção de barracas e todo o resto do processo de infra-estrutura da comunidade, além de estarem colaborando também na arrecadação de doações.

Foi possível conhecer praticamente o acampamento inteiro e notar a força de luta e resistência dos trabalhadores que estão recuperando suas dignidades perdidas em função do sistema opressor que não lhes garante mínimas condições de sobrevivência – como a moradia. Segundo João Santana, há mais de vinte anos a prefeitura de Guarulhos não recebe a verba destinada à habitação.

Em meio à vitórias, as necessidades ainda são muitas: alimentos, água, remédios, cobertores, roupas, panelas, madeira, lonas, fios de eletricidade, produtos de higiene e limpeza, entre outros. Quem puder contribuir com algum desses itens, entre em contato por telefone ou e-mail.

Movimento dos Sem-Teto – Ocupar, resistir e construir!

Em nova entrevista dada ao CMI, o militante J. do MTST, informou sobre as condições que o acampamento Anita Garibaldi enfrenta.

Após 36 dias de ocupação alguns problemas novos começam a surgir. Um deles é o estado das barracas que, feitas de lonas pretas de plástico, começam a se deteriorar após tanto tempo. Outra questão são as pessoas, principalmente crianças, que apresentam entre outras enfermidades, problemas respiratórios – há muita poeira no local. O PA mais próximo está tentando atender o máximo de pessoas, o que não é suficiente. O Processo está parado na Justiça, mas os sem-teto continuam contando com o apoio do Setor de Direitos Humanos da OAB que está acompanhando o caso.

Outro ponto importante é a cobertura da ocupação feita pela grande mídia. Segundo os militantes, a grande imprensa esteve no local e aproveitou para fazer reportagens difamando o acampamento. Um exemplo é a Folha Metropolitana que escreveu que o local funcionava como centro de prostituição. Esses fatos contribuíram para que a população local se posicionasse contra a ocupação. Conforme o militante J. afirmou, por tudo o que acontece em Guarulhos – e até mesmo um assalto no distante centro, por exemplo – o acampamento Anita Garibaldi acaba sendo culpado. Não é dada, pela grande mídia, a importância devida à maior ocupação de que se tem noticia e, quando o acampamento é retratado, aparece a maquiagem que a imprensa dá aos fatos que são modelados de acordos com interesses próprios.

No dia 17 de junho aconteceu um ato político no local. Algumas carreatas saíram de São Paulo e de outras partes do país e garantiram a presença de sindicatos, entidades, alguns partidos políticos, parlamentares e vereadores que, discursando em cima de um carro de som, disseram apoiar a causa. Foi um dia de festa onde estava presente um grande número de acampados – que hoje somam cerca de 12 mil ao total – que em coro gritavam palavras como: “MTST a luta é prá valer!”.

O acampamento não conta com apoio estadual nem federal. A única ajuda que obtém do governo municipal, que é o abastecimento de água com três a quatro carros pipa por dia, foi conseguida após os sem-teto ameaçarem comparecer ao centro de abastecimento mais próximo.

Como é possível notar, as necessidades básicas do acampamento são as mesmas. Remédios, lonas, roupas, comidas. Quem estiver disposto a colaborar, não deixe de entrar em contato com o endereço abaixo.

Carolina e Deborah

IMC-Brasil


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